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As resenhas que seguem são produto dos estudos teóricos realizados nos encontros de estudo com a equipe PIBID-Português 1
Resenha 1
MARCUSCHI, L. A. Processos de compreensão. In: ______. (Org.). Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p. 228-279.
Resenhado por: Camila Matos Godinho
(Bolsista do projeto Português I – PIBID/UFPR)
Em um contexto como o do sistema educacional brasileiro, tratar dos aspectos da tipologia de ensino de língua portuguesa é de importância central para estudantes de licenciatura em letras. Na terceira parte de seu curso Produção textual, análise de gêneros e compreensão, Luiz Antônio Marcuschi (2008) aborda o funcionamento do processo de compreensão por meio de uma visão sociointerativa da linguagem e trata da discrepância entre esta abordagem e o modo como a compreensão textual é apresentada nos livros didáticos utilizados no ensino brasileiro.
Marcuschi introduz essa terceira parte, chamada de Processos de compreensão, falando sobre a falta de uma teoria hegemônica sobre o assunto. O autor afirma que o ato de ler nunca é definitivo e completo e que a compreensão se dá por conta da internalização de categorias e esquemas cognitivos, que, no entanto, não são individuais ou únicos, mas sim coletivos. Heráclito é citado e o exemplo utilizado que nos ajuda a entender o que está sendo dito é o de uma cadeira, que quando vista por um ser humano, é percebida cognitivamente e identificada como uma cadeira, não sensorialmente, mas sim em razão dessas esquematizações/categorizações coletivas internalizadas socioculturalmente, que são o que dá unidade aos objetos aparentes que estão em constante mudança.
Além de Heráclito, o autor cita Vygotsky para reforçar a noção da coletividade das elaborações cognitivas. Este trata a língua como um sistema que está relacionado a práticas sociohistóricas e que se dá inter e intrapessoalmente. Outro exemplo utilizado é o de uma criança, que internaliza a linguagem (uma ação social) e, depois de uma atividade intrapessoal, faz um uso interpessoal dela. Ainda na introdução, Tomasello é utilizado para explicar que a cognição é fundada pelo social, que é através do esforço dos falantes que a língua atua, e não por uma virtude imanente a ela própria.
No primeiro subitem dessa parte do curso, denominado Leitura e compreensão como trabalho social e não atividade individual, Marcuschi aprofunda um pouco a noção de compreensão apresentada na introdução, ou seja, um exercício de convivência sociocultural, uma forma de inserção no mundo que “exige habilidade, interação e trabalho”. Resultado dessa demanda é a possibilidade de haver boas e más compreensões de um mesmo texto, o que pode ser visto nas mais diversas avaliações de leituras.
O autor explica que como a linguagem não é capaz de reproduzir fielmente a realidade, não é possível controlar o entendimento que se pode ter de um enunciado, mesmo que essa seja a intenção do autor. Ou seja, a compreensão se dá colaborativamente entre autor/falante-texto-leitor/ouvinte.
Ângela Kleiman, citada por Marcuschi, diz que os estudos do letramento subsidiam teoricamente a leitura, uma prática sociocultural que por ter seus usos relacionados à situação, oferece uma multiplicidade de discursos que constituem diferentes sujeitos e modos de ler. Ela trata de dois modelos de leitura, um desenvolvido entre os anos 70 e 90, que toma o texto como continente e o leitor como um sujeito ativo utilizador e mobilizador de conhecimentos pessoais para a compreensão, e outro, desenvolvido nos anos 90, que tem como interesse principal o contexto sociocultural da interpretação e a inserção do sujeito neste.
Kleiman, então, coloca ênfase nas questões sociais envolvidas no processo de leitura, tema que Marcuschi afirma não fazer parte do núcleo dos problemas relativos às atividades de compreensão. A compreensão, retoma o autor, é uma prática colaborativa que vai muito além de identificar informações, que constrói sentidos baseando-se em atividades inferenciais.
Diante disso, Marcuschi coloca três noções principais das quais dependerá a visão da atividade de compreensão por ele abordada, são essas as de língua, texto e inferência. A partir disso, o autor se encaminha para o segundo subitem do texto afirmando que o sentido se constitui no uso efetivo da língua e no texto em relação com seu leitor, e que isso vai muito além de apreender significados literais das palavras.
O segundo subitem, portanto, Breves observações sobre o sentido literal, aborda rapidamente o que pode ser considerado o sentido literal, já que não há uma definição consensual a respeito desse. Uma palavra pode ter mais de um sentido literal (construído como “preferencial”) a depender da situação. Mira Ariel identifica o SL como sentido mínimo nos aspectos linguístico (usos dicionarizados), psicolinguístico (usos intencionais) e interacional (por ocorrer negociadamente), e afirma que não é possível fazer uma distinção rígida entre esse e o sentido não literal. Essas observações poderiam ter ficado mais claras com o uso de alguns exemplos.
No subitem Compreensão e atividade inferencial, Marcuschi agrupa os modelos teóricos sobre compreensão em duas hipóteses: “compreender é decodificar” e “compreender é inferir”. A primeira toma a língua como código autônomo e o texto como continente do qual o leitor deve apreender o que fora codificado, tendo assim, segundo o autor, uma noção ingênua de objetividade. A segunda trata a língua como atividade e o texto como evento construído situacionalmente a partir do qual a compreensão é atingida por meio de diferentes planos de ação e com participação colaborativa do leitor, generalizando a possiblidade de comunicação intersubjetiva.
Marcuschi afirma que esses dois tipos de modelos teóricos podem apresentar pontos de convergência, mas subsidiarão teorias de comunicação distintas e terão diferentes consequências e definições no que diz respeito à língua, ao texto e às funções da linguagem. O autor conclui esse subitem apresentando enunciados que poderão ser melhor trabalhados a partir do que já foi visto, como “Ler e compreender são equivalentes”, “A compreensão de texto é um processo cognitivo” e “Compreender um texto não equivale a decodificar mensagens”, entre outros que ele desenvolverá ao longo do curso.
O quarto subitem, A importância de conceber a língua como trabalho social, histórico e cognitivo, fala do modo como a língua deve ser vista em uma análise da atividade de compreensão. No caso, como um fenômeno cognitivo, sociocultural e histórico, que varia com o tempo e que é estruturado em diversos planos. O autor apresenta muitas outras definições de língua, mas, seja chamando-a de uma “forma de ação”, seja de um “sistema simbólico”, ela é, de acordo com ele, sintática e semanticamente indeterminada, fazendo com que seja impossível aprisionar sentidos em um texto através de estruturas linguísticas.
Nesse item, Marcuschi também fala sobre a impossibilidade de se dizer tudo em um texto por meio da linguagem, o que faz com que o autor deste tenha de supor como responsabilidade do leitor algumas coisas não ditas, tornando a produção de sentidos, invariavelmente, uma atividade de coautoria.
Em A necessidade de tomar o texto como evento comunicativo, fala-se da visão escolar do texto como um “container”, um produto acabado do qual se pode tirar sentidos, e do texto como um processo em permanente elaboração. A variedade temporal e de sujeitos-leitores, por exemplo, faz com que existam várias possibilidades de compreensão para um mesmo texto, porém, com limites dados por certos princípios de compreensão. Torna-se difícil, portanto, afirmar o que é uma leitura objetiva de determinado texto; gêneros textuais, entretanto, são indicadores importantes, já que, segundo Bakhtin, tratam-se de “formas de ação social” orientadoras da compreensão.
O sexto subitem, Algumas observações sobre o contexto no processo de compreensão, apresenta uma tentativa de construção de um modelo integrado para a interpretação textual proposto por M. Dascal & E. Weizman (1987). Nesse modelo, os dados linguísticos não são tomados como algo estático e para um enunciado, uma situação e um conhecimento de base específicos, há a tentativa de desenhar as possibilidades de seleção mais relevantes a partir de cinco princípios.
Um desses princípios diz que pistas contextuais extra e metalinguísticas (conhecimento de mundo e conhecimento de convenções e estruturas linguísticas) guiam o destinatário do texto. Outro, postula três níveis de especificidade que se combinam com elas: o específico, o "superficial" e o de fundo. Essa combinação gera seis fontes de pistas contextuais que podem ser identificadas em um texto e que atuam para que cada receptor chegue à sua interpretação.
Segundo Dascal e Weizman, há também algum nível de "opacidade" em todos os textos, que faz com que o contexto seja requerido em alguma medida para que haja a interpretação. Marcuschi brevemente elogia o modelo teórico proposto pelos autores em certos aspectos e o critica em outros. Então, cita Ervin-Tripp com o exemplo de uma situação corriqueira na explicação de como uma inferência pragmática é exigida para que a intenção do falante seja percebida em um ato indireto, porém, afirma ela, normalmente, a situação é mais complexa do que isso para que se possa explicitar os procedimentos que se dão no processo inferencial.
No subitem Noção de inferência, Marcuschi repete muito do que já foi dito até então e se aprofunda no que ele diz ser a terceira noção central para uma teoria da compreensão. A inferência é tratada como uma sequência de processos cognitivos que faz com que novas representações semânticas sejam construídas a partir de informações textuais e da consideração do contexto, porém, não de maneira espontânea e natural como poderia parecer. Sua contribuição central seria oferecer coesão para o processamento do texto pelo leitor.
Nesse subitem o autor faz uso de vários exemplos que clareiam essa noção e mostram que, apesar de existirem muitos tipos de inferências, o uso de raciocínios práticos supera o de raciocínios estritamente lógicos nesse processo.
Em Compreensão como processo, quatro aspectos são apresentados no modo como a compreensão é operada, são eles o estratégico (busca de otimização da ação comunicativa), o flexível (movimentos do todo para as partes ou o contrário), o interativo (compreensão negociada e coconstruída) e o inferencial (diversos tipos de conhecimento entrando em ação de maneiras variadas).
A compreensão, é, então, tomada como uma atividade dialógica que permite muitas, mas não infinitas leituras, já que, a partir de seleções, reordenações e reconstruções, não deve contradizer as proposições do texto. Para que isso fique mais visível, Marcuschi apresenta um diagrama que relaciona combina as "camadas do texto" com os horizontes de leitura que podem surgir no processo.
Desse modo, a falta de horizonte se relaciona com a noção de cópia, o horizonte mínimo, com a de paráfrase, o máximo, com as inferências possíveis, o horizonte problemático com as extrapolações e o horizonte indevido com os falseamentos. O autor, então, explica cada um dos horizontes e exemplifica o problemático e o indevido. Por fim, toma a questão de "perceber as intenções do texto" como delicada e limítrofe e fala sobre como os autores de livros didáticos se baseiam muito mais no dicionário do que no "funcionamento textual do léxico" para identificar sentidos de palavras.
A compreensão interdialetal, um subitem muito interessante do curso, é constituído basicamente de um estudo feito por Stella Maris Bortoni-Ricardo, que trata a unidade linguística no Brasil como um "mito" (já que monolinguismo não implica homogeneidade linguística, segundo ela) e que se concentra em analisar dialetos de grupos sociais situados na periferia das cidades, que vêm do interior e que possuem pouco acesso à escolarização. Sua análise é feita com base em entrevistas dadas à estudantes da Universidade de Brasília.
A própria natureza do gênero entrevista, somada à variedade dialetal, cria barreiras à compreensão, e os aspectos considerados para analisar a interação nesse trabalho foram a assimetria entre os interlocutores, a disposição para a convergência (principalmente por parte dos estudantes) e a insegurança linguística (dos entrevistados). Alguns exemplos são apresentados e os casos de incompreensão são divididos por Bortoni-Ricardo em cinco grupos (regras fonológicas, morfológicas ou sintáticas, regras pragmáticas, questões lexicais...).
Marcuschi conclui esse subitem com uma reflexão importante sobre como as pessoas que estão mais afastadas dos grandes centros não são atingidas por mensagens ou esclarecimentos que dizem respeito a elas mesmas, e sobre como isso é ainda mais preocupante quando o problema chega à escola.
No décimo subitem, O tratamento da compreensão nos livros didáticos, o autor aponta alguns problemas identificados nas atividades de "compreensão" propostas nos livros didáticos atualmente. A questão não é quantitativa, pois muitos exercícios são propostos, mas sim qualitativa, já que a leitura é vista como decodificação ou cópia de um conteúdo que teria sido inscrito objetivamente no texto. Marcuschi afirma que esse tipo de atividade não é inútil, já que conduz a conhecimentos formais a respeito do texto, mas tratar isso como compreensão evidencia o modo como a língua tem sido vista, ou seja, de maneira pobre e restrita.
A falta de representatividade da real diversidade textual existente e essa maneira como a língua é tomada exclui a possibilidade de se desenvolver o raciocínio, o pensamento crítico e as habilidades argumentativas dos alunos, que ficam presos aos padrões repetitivos apresentados nas questões.
Ainda nesse subitem, o autor repete muitas ideias já apresentadas anteriormente, como a de que não há apenas uma leitura para um mesmo texto e a de que a língua deve ser vista como um código autônomo.
O subitem seguinte, Tipologia das perguntas de compreensão nos livros didáticos, basicamente exemplifica o que foi dito no anterior. Marcuschi apresenta uma tabela com tipos de perguntas presentes nos livros didáticos e uma porcentagem preocupante (70%) de questões que se fundam apenas no texto, enquanto apenas 10% delas exigem uma reflexão para serem respondidas. É, então, retomada a problemática de que os autores de livros didáticos tratam o léxico descontextualizadamente e como condição única para o entendimento de um texto.
Em Os descritores para a compreensão no ensino fundamental, o autor conclui o curso analisando um programa de avaliação de proficiência de língua materna proposto pelo MEC a partir de matrizes de referência elaboradas pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Esse programa considera que a língua é dominada por um indivíduo quando este "sabe fazer uso de seus recursos expressivos em diversas situações".
O exame tem suas qualidades ao tratar o texto como um processo, e não como um continente, o que oferece um trabalho de inferência para o aluno, mas sua limitação é considerar apenas a compreensão textual, deixando de lado a produção de texto, que acaba ficando em segundo plano também nas escolas, já que essas adquirem uma preocupação maior com o que é sabido que estará em avaliação.
Outro problema se encontra na formulação das perguntas, que algumas vezes não é tão clara e pode induzir ao erro, além da própria noção de que o entendimento de um texto se manifesta em responder questões, já que no dia-a-dia as pessoas falam sobre textos, expressando opiniões, sintetizando ou reportando eles.
Toda a terceira parte do curso deixa uma reflexão essencial sobre a efetividade de se abordar a compreensão de maneiras diferentes em sala de aula, mostrando ao aluno seu real papel na construção de sentidos sobre os textos e levando a uma maior análise crítica na escola, a qual deveria ser o local de maior incentivo a isso, mas que ainda apresenta muitos problemas na abordagem da compreensão textual.
Comentário
As práticas feitas em nosso projeto do PIBID na escola, principalmente por meio das questões do ENEM, mostram a preocupação do aluno em encontrar apenas uma leitura como a correta para certo texto. Espero que ao ressaltarmos o enunciado das perguntas para eles e mostrarmos que se este fosse minimamente diferente a resposta poderia ser outra, eles tenham mudado um pouco sua concepção de uma análise fechada e única, e tenham visto que seus conhecimentos de mundo e de estruturas linguísticas podem sim levar a diferentes interpretações, desde que essas caibam no que está sendo proposto.
Resenha 2
ORLANDI, Eni. Análise de discurso. In: ORLANDI, Eni e LAGAZZI-RODRIGUES, Suzy. Discurso e textualidade. Campinas, SP: Pontes, 2010.
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) – Português 1
Coordenadora: Professora Doutora Gesualda de Lourdes dos Santos Rasia
Ana Carolina Szczepanski Oliveira – GRR20163810.
Em seu texto “Análise de Discurso”, Eni Orlandi tem por objetivo introduzir o leitor ao assunto, explicando conceitos básicos para a compreensão da área. Orlandi é professora universitária brasileira é responsável por introduzir o estudo da Análise de Discurso no país, ao final dos anos 70.
A autora começa situando a análise de discurso no Brasil, pensando-a enquanto sujeito, história e língua. Para ela, a análise do discurso “se constitui no interior das consequências teóricas estabelecidas por três rupturas que estabelecem três novos campos do saber”, instituídos na área da linguística, pelo fato da língua ter sua ordem marcada pela própria materialidade, da psicanálise, visto que o sujeito não é transparente nem para si mesmo, e do marxismo, sabendo que a história tem sua própria materialidade, pois o homem a faz, mas não lhe é transparente. Essas três formas de materialidade constroem o cerne do conhecimento de cada um dos três campos e, através delas, se constrói o espaço propício para formação da análise de discurso propriamente dita.
Para o fundador da Análise de Discurso, Michel Pêcheux (1981), e pensadores contemporâneos a ele, o modo com que essas formas de conhecimento se relacionam é peculiar. Não se trata de somar atributos para, enfim, culminar na análise de discurso, visto que ela é constituída de sentido próprio e não se confunde com as outras áreas. Não é possível, portanto, uma teoria geral sobre ela.
A análise pressupõe premissas dos três campos, e o faz na medida em que se apresenta em três regiões científicas: teoria da sintaxe e enunciação, ideologia e a teoria do discurso como determinação histórica dos processos de significação, atravessados pela teoria psicanalítica do sujeito.
No início dos anos 1960, inicia-se um processo de desnaturalização da leitura. Autores como Althusser, Focault, Lacan e Barthes começam a questionar “o que ler quer dizer”, afirmando que a leitura deve se sustentar em um aparato teórico. Através disso, surge a disciplina de Análise do discurso, no entremeio da Linguística e das Ciências Sociais.
Devido à sua localização intermediária, é necessário deslocar-se de campo teórico para tentar compreendê-la completamente, de modo que a sócio-histórica e a linguística se relacionem de maneira contínua, pois os atributos de um campo não cabem aos estudos do outro.
Assim, Orlandi explica alguns conceitos básicos para a compreensão da Análise de Discurso.
Começa explicando a dicotomia Saussuriana entre fala e língua, sendo esta o sistema em que tudo se mantém de maneira constante, enquanto a fala é individual e constituída de variáveis; separá-las implica em separar o que é social do que é histórico. Para a Análise do discurso, devemos deslocar a dualidade para língua e discurso, sem dicotomizá-la, porque, diferente da fala, é possível submeter o discurso a uma análise. No discurso, o social e o histórico são indivisíveis.
Mas afinal, o que é discurso? Para Pêcheux (1969), discurso é o efeito de sentido entre locutores a fim de estabelecer uma relação de estímulo e resposta. O que gera efeito não é o ato de dialogar, mas por se trata de sujeitos com memórias discursivas. O sujeito, anteriormente excluído pela Linguística, agora é fundamental para a análise.
Para o estudo do discurso, a denominação sujeito não abrange o ser empírico, mas a posição sujeito projetada no discurso. O enunciador e o destinatário, enquanto sujeitos, são pontos de relação de interlocução, indicando diferentes posições sujeito.
Outro fator presente na produção é a possibilidade de antecipação, em que o enunciador se torna destinatário, experimentando a posição e antecipando-lhe a resposta. O recurso da antecipação é, em grande parte, responsável pela argumentação, mostrando como as trocas de linguagem se estabelecem primeiramente no imaginário. Na prática discursiva, um importante constituinte é a relação de sentidos. O discurso é afetado por outros discursos, não sendo uma forma independente. Há também relações de força, em que o discurso social é afetado pelo lugar social em que é feito e o que ele representa.
Eni Orlandi define, então, a unidade da Análise de Discurso: o texto, constituído de discurso e materialidade. É importante para o analista compreender as formas nas quais o texto se constitui enquanto discurso para a formação da ideologia, conectando-o às condições exteriores.
Para Pêcheux (idem), o sentido da palavra é determinado pela posição ideológica no processo em que elas surgiram, mudando de sentido segundo as posições sustentadas pelos que as utilizam. A formação discursiva designa o que poderá ser dito em certo contexto.
Na Análise de Discurso, a língua é a materialidade específica do discurso, que, por sua vez, é a materialidade específica da ideologia. Sujeito e sentido se constituem ao mesmo tempo. Não podemos, então, pensar no sujeito sem pensar em ideologia.
Formado a partir do conjunto de formações discursivas, o interdiscurso é um complexo dominante. É irrepresentável, pois trata do saber da memória discursiva do sujeito. Portanto, para que uma palavra faça sentido, é necessário um sentido prévio. Para compreender o funcionamento da ideologia, é necessário entender a construção do sujeito e sentido.
Para melhor compreender o que é sujeito, precisamos entender o que é a forma-sujeito. Para Althusser (1973), qualquer indivíduo humano só poderá ser agente de uma prática se ele se revestir da forma-sujeito, definida no texto como a forma de existência histórica de qualquer indivíduo. Portanto, o sujeito do discurso “se constitui pelo esquecimento do que o determina, pois é do funcionamento da ideologia em geral que resulta a interpelação dos indivíduos em sujeitos” e se realiza por meio do complexo de formações ideológicas, que fornece ao sujeito sua “realidade”, pensando-a enquanto sistema de evidências e significações percebidas.
Na análise de discurso, existem duas formas de esquecimento. A primeira se dá do fato de que o sujeito não poderá se encontrar externo a formação discursiva dominante, também chamada de esquecimento ideológico e inconsciente. Na segunda, o sujeito esquece a possibilidade de outros sentidos possíveis; esse esquecimento produz a impressão da realidade do pensamento.
A memória discursiva trabalha com a noção de interdiscurso, em que “algo fala antes, em outro lugar e independentemente”, chamado de saber discursivo. Segundo J. J. Courtine (1985), podemos pensar em dois eixos: um eixo vertical, a constituição do dizer, e um horizontal, a formulação dele. Portanto, o dizer se dá no cruzamento desses dois eixos, pois a constituição do dizer determina sua formulação.
A autora inicia uma reflexão sobre a análise efetivamente, sendo o texto unidade de estudo do discurso. Para ser texto, é necessário haver relação dele consigo mesmo e com o exterior; esta relação é chamada de textualidade. Quando uma palavra significa algo, é porque ela deriva de um discurso que a sustenta. Portanto, um texto é um processo que se desenvolve de múltiplas formas em determinadas situações sociais. O texto não tem fim em si mesmo, visto que se relaciona com outros, além de suas condições de produção e a exterioridade constitutiva.
O discurso se relaciona com o texto na mesma medida em que o sujeito se relaciona com o autor. Para Foucault (1971), o autor agrupa o discurso e é responsável pelo texto que produz, porém, para os analistas, a função do autor não é delimitada por um “quadro restrito e privilegiado de produtores originais de linguagem. [...] a função autor se realiza toda vez que o produtor da linguagem se apresenta na origem, produzindo um texto com unidade, coerência, progressão, não contradição e fim”. O sujeito só é autor se a sua produção for interpretável.
A interpretação está ligada à questão ideológica. Considera-se a interpretação como parte da atividade do analista e enquanto atividade do sujeito. Interpretar, portanto, é explicar como os símbolos produzem sentido. Quando um sujeito fala, exerce a interpretação em sua plenitude, pois atribui sentido as suas palavras em dado contexto.
A análise do discurso considera a materialidade da linguagem e, ao reconhecer isso, reconhece também a necessidade da construção de dispositivos para acessá-la, sendo estes de dois tipos: o teórico e o analítico da interpretação.
O dispositivo teórico é constituído pelos princípios da análise de discurso, como efeito de sentido, noção de formação discursiva, o interdiscurso e afins, determinando o dispositivo analítico, orientando o analista no modo de observar o funcionamento do discurso.
O dispositivo analítico é aquele construído por cada analista em cada análise específica. Determinado pelo dispositivo teórico, dependerá “da questão do analista, da natureza do material analisado, do objeto do analista e da região teórica em que se inscreve o analista”, como a linguística, história ou antropologia, por exemplo. Não é papel do analista interpretar o texto, mas interpretar os resultados da análise, processo denominado de compreensão.
O dever do analista de discurso é mostrar o funcionamento do objeto simbólico e os mecanismos de funcionamento do discurso.
Denomina-se efeito metafórico o fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual; por ser característico das línguas naturais, Orlandi considera que não há sentido sem interpretação.
Em suma, a análise doe discurso propõe um novo olhar para a leitura, sustentado pelos dispositivos teóricos e analíticos que nos concedem a possibilidade de reconhecer o modo com que os sentidos são produzidos e como se constrói o sujeito. A autora conclui seu texto dizendo que “não há dizer que não seja político”, pois vivemos numa sociedade de classes e os sentidos são afetados por estas divisões.
A leitura de “Análise de Discurso”, de Eni P. Orlandi, é recomendada para aqueles que buscam uma introdução sobre o que é a Análise e quais são os deveres de um analista, além de uma reflexão sobre o que torna o indivíduo em sujeito, visto que há diversos fatores que influencia na sua formação enquanto sujeito político, social, pensante e constituído de fala e capaz de modificar a história.