Filosofia: A civilização entre o diálogo e a escrita

Proposta de ação vigente desde outubro de 2016

 

A filosofia se constitui, no âmbito da educação institucionalizada, como uma disciplina peculiar, por resistir a ser simplesmente enquadrada como informação e técnica, ou seja, como um conjunto estabelecido de conhecimentos instrumentalmente aplicáveis ou como uma metodologia para a obtenção de tais conhecimentos. Não só a filosofia surgiu antes das decisões e dos desenvolvimentos históricos que conduziram às concepções de conhecimento, de técnica e de educação (vale dizer, concepções de realidade, de progresso e de civilização) que sustentam a nossa existência contemporânea, mas sobretudo tais decisões e desdobramentos, por sua vez, só tiveram lugar dentro ou a partir da própria tradição histórica da filosofia. Por isso, a peculiaridade da filosofia consiste na sua capacidade de olhar e questionar desde fora (isto é, desde a sua respectiva formação histórica) todas essas concepções aparentemente inquestionáveis — e o caráter sempre problemático da filosofia como disciplina escolar, seja em que nível for, resulta da diferença de perspectivas assim estabelecida, quer dizer, do embate entre um modo de ver restrito e secundário que se instituiu historicamente (a configuração particular e determinada das nossas concepções e das nossas instituições) e o modo de ver primário e abrangente que tornou possível toda essa determinação (o questionamento filosófico radical a respeito da totalidade, do fundamento único do todo).

A preocupação com o acesso ao "conteúdo" da filosofia no ensino médio e, em particular, a ênfase na oferta e no estudo dos textos clássicos da história da filosofia já vêm constituindo o foco do subprojeto de filosofia do Pibid da UFPR desde 2009. Com a presente proposta pretende-se aprofundar a inserção da perspectiva filosófica na escola e a correspondente preparação dos futuros professores da disciplina, ao mesmo tempo em que se tenta ainda ir ao encontro de dificuldades estruturais e conjunturais muito concretas e práticas que tão freqüentemente frustram uma comunicação satisfatória entre os alunos e o que a disciplina tem a lhes oferecer. Trata-se de recolocar na linha de frente da experiência da filosofia na escola o seu elemento arcaico, anterior mesmo ao texto escrito, que é o diálogo. Lembrando não só que o que pela primeira vez na história ganhou o nome de filosofia foram as conversas de Sócrates (que não deixou obra escrita), mas também que a própria relação questionável da escrita com a filosofia foi tema importante para Platão (que paradoxalmente deixou escrita a obra que fundou e até hoje determina no essencial toda a tradição da filosofia), devemos tentar abarcar o sentido que tomou esta história de quase dois milênios e meio e assim chegar, por exemplo, a Nietzsche, que, tão perto de nós, junta a desconfiança frente à escrita ao diagnóstico do niilismo vital da nossa civilização letrada, intelectual e cientificista. À peculiaridade e ao problema da filosofia na escola pertence, assim, o fato de que ela só existe quando há conversa de pessoa a pessoa, e que todo e qualquer texto escrito, na medida em que não estiver submetido a uma tal conversa, representa um potencial e fatal desvio da possibilidade mais própria da filosofia.

 

Em termos práticos, a presente proposta tem como objetivo primeiro despertar nos professores em formação a atenção para as seguintes questões essenciais: (1) o que é e como se faz concretamente a filosofia, (2) qual é a relação da filosofia com a palavra, tanto a falada quanto a escrita, tendo em vista as diferenças entre elas e as conseqüências dessas diferenças, e (3) qual é o lugar e o papel da filosofia assim pensada dentro do contexto escolar, do sistema de ensino, do nosso projeto civilizatório enfim. Concomitantemente ao estudo e à discussão destes temas e dentro do seu horizonte, pretende-se continuamente planejar, executar e avaliar atividades e intervenções dos futuros professores junto aos alunos de filosofia do ensino médio, sob a supervisão dos professores efetivos integrados a esta proposta.