Português 3 > Posts > 2015/1 - PROJETO : objetivos e premissas
Ao assumir, no início de 2015, o projeto Formação de Leitores: integrando biblioteca e sala de aula, demos continuidade aos princípios que guiaram o trabalho desenvolvido pela Profa. Dra. Milena Martins durante o ano de 2014. Dessa forma, nos propomos a partir do acervo do PNBE e trabalhar com a ideia de que saber ler é produzir sentido, perceber gêneros e formas textuais, posicionar-se, escutar diferentes opiniões, assumir-se como sujeito diante do texto lido, estabelecer relações entre o texto lido e outros textos, fazer conexões com o mundo do qual o leitor faz parte. Para isso, o bolsista/mediador de leitura deve estar preparado (pesquisa, materiais alternativos, outras linguagens, atividades) e aberto para despertar o prazer da leitura. Acreditamos que dessa maneira, de forma continuada e com uma maior integração universidade/escola públicas, estaremos trabalhando para um resgate da literatura (nacional e universal) no ensino humanístico, para o uso produtivo do acervo do PNBE, para a formação de futuros professores que saibam não apenas ensinar a ler e a melhorar os tão alarmantes índices de leitura, mas que consigam despertar o interesse eo prazer pela leitura e pelos textos literários.
Ao mesmo tempo, percebemos que parte da "crise" de leitura está ligada ao declínio do lugar da literatura na escola ao longo das útlimas décadas. Em defesa da especificidade da literatura e da função primordial do seu ensino, estabelecemos algumas premissas para o nosso trabalho.
Os impasses e contradições entre um ensino sobre a literatura (história da literatura, movimentos, elementos constituintes, etc.) e um ensino da literatura (leitura efetiva dos textos), entre a especificidade literária e a sua diluição na leitura de gêneros discursivos variados é visível nos parâmetros, orientações e diretrizes oficiais para o ensino. Os índices referentes à leitura (IDEB, INAF, PISA) revelam, de modo geral, uma queda na passagem do Ensino Fundamental para o Ensino Médio, uma estagnação nos anos recentes e a extrema dificuldade em completar o processo de letramento, ou a passagem do que o PISA chama de “nível básico de leitura”, alcançado por 49% dos alunos, para o que o INAF chama de “alfabetização plena”, atingida por 26%. Alcançar o “pleno”, ou, em outras palavras, formar leitores, significa, segundo Manguel, sair do processo mecânico do aprendizado do código da escrita e do aprendizado da sintaxe que comanda esse código para chegar ao “aprendizado de como as inscrições nesse código servem para conhecer de maneira profunda, imaginativa e prática nossa identidade e a do mundo que nos cerca.” (MANGUEL 2009, p.41).
O necessário e desejável contato com gêneros discursivos variados não diminui o papel fundamental, e específico, que a literatura desempenha na formação de leitores plenos ou letrados, pois, como lembra Todorov (2009), ao contrário de outros textos, a literatura não produz conceitos, formula leis gerais ou apresenta proposições inequívocas. Ela conduz a experiências singulares, preserva a riqueza e a diversidade do vivido e se abre a múltiplas interpretações. A leitura da literatura oferece assim, pela sua especificidade, “um meio – alguns dirão até mesmo o único – de preservar e transmitir a experiência dos outros, aqueles que estão distantes de nós no espaço e no tempo, ou que diferem de nós por suas condições de vida.” (COMPAGNON, 2009, p.47). Acreditamos que não há justificativa melhor para que o seu ensino seja mantido e reforçado.
Na defesa da literatura na escola como meio de formar leitores plenos, devolver o prazer da leitura e despertar o desejo em sala de aula, como queria Barthes (2004), apostamos no conhecimento da literatura e não, no conhecimento sobre a literatura. No lugar do tradicional ensino que segue a cronologia linear da literatura nacional e parte do contexto histórico, das características de movimentos e estilos para ilustrá-los nas obras, cujo sentido é dado pelo professor, percorremos o caminho inverso na busca do prazer da leitura. Partimos, portanto, de dentro para fora, ou seja, da leitura integral de textos de variadas tradições, estabelecendo relações que atravessam tempos/espaços e incentivando a pluralidade de sentidos de leituras individuais e compartilhadas que formam uma comunidade de leitores, para encontrar as marcas dos diversos contextos inscritos no texto.
Entendemos ainda que o papel do professor não é o encontrar leituras “fáceis” ou o de oferecer simulacros de leitura (fragmentos, resumos), mas o de abrir o caminho difícil e inigualável da leitura plena, como indica Manguel ao analisar os obstáculos encontrados na transformação inacabada do boneco Pinóquio em um menino leitor:
Educar é um processo lento e difícil, dois adjetivos que em nossa época, em vez de serem termos elogiosos, qualificam defeitos. Hoje parece quase impossível convencer a maioria de nós dos méritos da lentidão e do esforço deliberado. No entanto, Pinóquio só poderá aprender a ler se não tiver pressa, e só se transformará num indivíduo pleno por meio do esforço requerido para aprender devagar. Seja na era de Collodi, com as cartilhas que os alunos repetiam como papagaios, seja na nossa, com suas informações quase infinitas regurgitadas ao alcance da mão, é relativamente fácil ser superficialmente alfabetizado para seguir uma comédia na TV, entender um jogo de palavras de um anúncio publicitário, ler um slogan político, usar um computador. Mas para nos aprofundarmos, para termos coragem de enfrentar nossos temores e dúvidas e segredos ocultos, para questionarmos o funcionamento da sociedade em relação a nós mesmos e ao mundo, precisamos aprender a ler de outra maneira, de forma diferente, que nos permita aprender a pensar. Pinóquio talvez se transforme num menino no final de suas aventuras, mas continuará pensando, definitivamente, como um boneco. (MANGUEL, 2009, p. 49).
Renata Telles