Meus alunos não sabem ler!

Um dos objetivos deste projeto é compreender o processo da leitura (especialmente de textos literários) por meio do acompanhamento de estudantes de ensino fundamental e médio no momento da leitura desses textos. Identificadas as dificuldades de leitura dos alunos, os bolsistas buscaram superá-las. Para isso, eles atuaram nas salas de aula e também estudaram (nas reuniões com a coordenadora) as diferentes habilidades envolvidas no processo de leitura, a fim de se capacitarem para minimizar as dificuldades encontradas pelos leitores em formação. Algumas das dificuldades encontradas por eles foram:

  • dificuldade na interpretação do texto e na leitura em voz alta
  • dificuldade de decodificação de palavras,
  • dificuldade na compreensão de marcadores textuais e pontuação;
  • dificuldade na identificação da voz do narrador de um texto ficcional;
  • dificuldade de compreensão do estatuto do narrador;
  • dificuldade na leitura de texto teatral, pela ausência do narrador;
  • dificuldade na diferenciação entre personagens principais e secundários;
  • dificuldades na leitura e compreensão do próprio texto (falta de um propósito para a escrita? falta de clareza?);
  • dificuldade em ou impossibilidade de produzir um texto narrativo em ordem cronológica inversa;
  • dificuldade de conjugar com clareza duas ações simultâneas numa mesma frase;
  • dificuldade em compreender um texto lido por si mesmo;
  • dificuldade de ler em público (por timidez);
  • dispersão na leitura de textos mais extensos do que uma página;
  • dificuldade de estabelecimento de relações entre texto e contexto.

A seguir, alguns depoimentos e comentários dos bolsistas a respeito das dificuldades de leitura encontradas:

“Durante a realização desse trabalho de leitura, pudemos perceber como muitos alunos tinham dificuldade na interpretação do texto e na leitura em voz alta. Por isso, para nosso segundo trabalho de leitura com a turma, escolhemos um texto com falas e variedade de personagens, para podermos trabalhar com eles a leitura e interpretação. O livro escolhido foi A Reforma da Natureza do Monteiro Lobato.” (relato da bolsista Bruna Fialla)

“As atividades de leitura oral foram importantes para perceber uma dificuldade presente em muitos alunos: leitura oral ruim. Isso demonstra que eles também encontram dificuldades quando estão lendo individualmente. Mas o maior obstáculo está em decodificar essas palavras, não em interpretá-las. Por exemplo, aconteceram casos em que o aluno lia sozinho e não entendia, nós líamos para ele e a informação ficava  clara.” (relato da bolsista Bruna Motta)

“Surgiram algumas dúvidas a respeito de quando terminava a fala do narrador e começava a dos personagens e eles foram aprendendo a observar os marcadores de discurso como o travessão e os dois pontos.” (relato da bolsista Bruna Motta)

“[os alunos] apresentaram dúvidas na diferenciação entre personagens principais e secundários e entre narrador observador e personagem.” (relato da bolsista Carmina)

“Um aluno em especial teve mais dificuldade. Li o texto dele,estava sem nexo e perguntei se ele entendia o que escreveu. Me respondeu assim: ‘A maioria das coisas que escrevo eu não entendo!’ Isso evidenciou a falta de leitura por parte dos alunos e consequentemente a dificuldade na hora de escrever e interpretar. Anderson continuou explicando a ele a estrutura do texto mas sem muito êxito.” (relato da bolsista Emily)

Pudemos ver que eles não entenderam a proposta e como deveria ser a estrutura da história. Também faltava coerência e havia muitos erros gramaticais nos textos.(relato da bolsista Emily)

Visto que a turma não entendeu como o texto era para ser feito, Anderson e Caroline [bolsistas] explicaram a atividade novamente. Anderson disse ao alunos que eles não atingiram a proposta e deu exemplos de como ela poderia ser. Caroline escreveu no quadro os primeiros parágrafos do conto para auxiliá-lo. [a produção deveria ser individual, mas, diante das dificuldades de produzir um texto com organização temporal complexa, o grupo de bolsistas precisou intervir].  Depois pediram que escolhessem um dos quadros e também o advérbio temporal, mês, semanas, minutos, etc. Sugeriram a eles que usassem apenas cinco acontecimentos para facilitar a compreensão. [os bolsistas percebem que os alunos precisam de mais direcionamento, que são capazes de entender um texto, mas não de produzir um outro com estrutura semelhante]. Os alunos não conseguiram entender como era para ser feita atividade, o que os deixou desatentos e dispersos na aula. / Para não prolongar atividade com o conto decidimos que essa seria a última aula que trabalharíamos com ele. Pois os alunos e nós estávamos cansados de insistir em algo que não dava certo. E não queríamos desmerecer o que já haviam feito, tentando corrigi-los e pedindo que refizessem os textos. [...] Ana Laura e eu coordenamos essa aula. Deixamos só o quadro O Grito exposto e criamos uma pequena história regressiva com a ajuda dos alunos.(relato da bolsista Emily)

[Os bolsistas então substituíram uma atividade (criação individual) por outra (criação coletiva, guiada) de forma a completar uma atividade, mesmo que diferente da inicialmente planejada. Sensação de frustração deles não significa, porém, que a atividade foi em vão. Por fim, os alunos observaram e participaram da produção de um texto, mas não da forma livre inicialmente pensada.]

“Talvez a falta de êxito no trabalho com o conto se deveu a uma falha nossa na hora da explicação ou, como a professora Vera comentou, essa turma ainda não estava preparada para a atividade, foi algo muito complexo para eles. Pois a turma do 7º B que estava com outro grupo de bolsistas conseguiu entender a proposta. Ela também ressaltou como a leitura dos alunos é enxuta, eles não conseguem pensar no que está além do texto. E como a tradição escolar sempre exigiu respostas objetivas e corretas, eles têm um receio de expor seus pensamentos oralmente ou escrevendo.” (relato da bolsista Emily)

“Um dos alunos fez um elogio ao conto e nisso a prof. Vera indagou ele, que havia dito em outra aula que não gostava de ler. E a resposta desse aluno me surpreendeu: Eu não gosto de ler, mas gosto quando vocês lêem pra mim (Kainã 7ºB).” (relato da bolsista Bruna Motta)

“Uma aluna até chegou a pedir para não ler porque tinha muito vergonha da opinião dos seus colegas e respeitamos a decisão dela.” (relato da bolsista Bruna Motta)

“Como o exercício foi proposto com o intuito de estimular a leitura e mostrar que eram capazes de compreender um poema, procurávamos não julgar entre interpretação certa e errada: quando percebíamos alguma interpretação fora do contexto do poema, indagávamos aos alunos o que o texto dizia e refazíamos a leitura juntamente com eles. Na maior parte dos casos o ato de ler e reler juntamente com eles já bastava para que eles entendessem qual era o sentido ou em que ponto do texto eles estavam se equivocando.” (relato dos bolsistas Angelita, Sheynna e Willian)

“Ao pedir para que os alunos [do 1º ano do EM] lessem partes do texto [o conto “O general na biblioteca, de Ítalo Calvino], percebemos quão grandes são suas dificuldades de leitura e compreensão.  À exceção de um ou dois alunos, a turma toda mostrou dificuldade e medo de ler, além de percebermos que eles não entendiam o que estavam lendo. [...] Percebendo esse problema nós fizemos tentativas de explicar o enredo parágrafo por parágrafo, sempre dialogando com eles. Mas as repostas não vinham, até mesmo para as perguntas mais simples. Ficamos pensando até que ponto ia a dificuldade e começava a preguiça. Nossa sensação, baseada nas falas da [supervisora] Delvir sobre essa turma, é de que sempre foi exigido muito pouco desses alunos, apenas o mínimo. Ao final da aula a Delvir nos disse que era demais para eles ler duas folhas na mesma aula e que o conto era complexo. / Nesse dia eu comecei a me sentir seriamente frustrada com o que eu estava fazendo na escola. Como, para uma turma de primeiro ano do Ensino Médio, é demais ler duas páginas em 50 minutos? E de um conto que talvez seja complexo para os primeiros anos do Ensino Fundamental, mas não para o Médio. Comecei a acreditar que nós não estávamos sabendo preparar e conduzir as aulas, ou ainda, que teríamos que baixar o nível como propôs nossa supervisora. Eu não queria isso, pois achava que a solução não estava em preparar aulas de nível inferior, exigindo menos, mas pelo contrário, continuar exigindo deles que respondessem como uma turma de Ensino Médio, mesmo que os resultados fossem pífios. [...] seguimos com esse plano de não baixar o nível das aulas.” (relato e comentários da bolsista Deborah)

Identificar as dificuldades de leitura dos estudantes de ensino fundamental e médio é condição essencial para a atuação direcionada dos professores. Não é uma tarefa trivial, e por isso mesmo merece nossa atenção contínua. Entendo que esse aspecto de nossa atuação está em construção e o que temos aqui é apenas uma etapa do processo de compreensão das dificuldades de leitura dos estudantes. Parte dessas dificuldades deriva da inconstância da prática de leitura de textos literários.