Português 3 > Posts > 4. Uma comunidade de leitores
Não por acaso, os bolsistas se tornam referência de leitura para além dos muros da escola:
“Quando perguntei se algum dos alunos conhecia outro livro do mesmo autor, todos disseram que não. E então quando disse A Fantástica Fábrica de Chocolates e Matilda foram também escritos por Roald Dahl todos ficaram surpresos, pois a maioria já havia assistido a pelo menos algum dos dois filmes produzidos com base nessas obras, e lhes disse que poderiam encontrar todos esses livros e ainda outros na biblioteca e foi como se a expressão deles dissessem: tem todos esses livros na biblioteca e eu não sabia? Alguns reclamaram que deveria ter mais exemplares do James [e o pêssego gigante] na biblioteca e eu lhes expliquei como eles poderiam fazer para emprestar o livro na biblioteca pública ou nas casas de leitura e eles se animaram com essa possibilidade que lhes pareceu desconhecida.” (relato da bolsista Bruna Motta)
Ler é mesmo uma atividade solitária?
“Com essas experiências que tive eu sempre pensei muito sobre a educação, e achava que as dificuldades enfrentadas pelas escolas só tinham solução no autodidatismo, e que esse deveria ser o ponto a ser trabalhado desde os primeiros anos escolares. Ainda acredito que esse ideal deva ser buscado, mas hoje penso que assim como não devemos parar na primeira leitura de um livro, também no processo educacional não se pode ir apenas até onde o aluno vai sozinho, por melhor que ele tenha desenvolvido as habilidades de autodidata. / Houve uma reunião do PIBID em que lemos e discutimos o conto “Gato preto”, do Poe. Eu estava lendo esse conto pela terceira vez, já conhecia desde a adolescência e achava que tudo estava muito claro pra mim. Foi apenas quando chegamos ao final e a Milena [coordenadora] nos chamou a atenção para o fato de que o narrador nos manipulava o tempo todo, e que ele era um psicopata, e... Que eu percebi que eu nunca tinha entendido absolutamente nada desse conto! Isso já tinha acontecido algumas vezes em aulas da Milena também, com outras leituras, mas não de forma tão forte como naquele dia. Foi então que eu entendi finalmente, embora já desconfiasse, que a leitura e o aprendizado solitários vão até certo limite que pode até ser satisfatório em muitos casos, (se eles não adiantassem eu seria quase analfabeta). Mas a verdadeira construção de sentido, a ampliação dos significados, a ida além, só se faz com a troca, ou com a ajuda do professor.” (considerações da bolsista Deborah)
É importante que o leitor se torne sujeito de sua leitura:
“Depois de várias semanas observando o crescente desenvolvimento da capacidade de leitura e argumentação da turma, a reação deles à nossa proposta surpreendeu: a maioria não escreveu sequer uma linha, por mais que conversássemos com eles e déssemos ideias de finais alternativos. No final dessa aula, apenas três alunos nos entregaram as redações. Um que não havia feito perguntou se poderia escrever um texto opinativo sobre a peça e, quando eu respondi que não e argumentei que ele poderia usar a imaginação, mudar aquilo de que não havia gostado, ele replicou que não tinha nada a melhorar, que o final de Shakespeare já era perfeito. Insisti que isso não importava, que eu queria saber como ele faria no lugar do dramaturgo, mas nada parecia convencê-lo a escrever. / Mais tarde, na sala dos professores, tentamos entender por que os alunos tiveram tanta dificuldade. A professora Delvir acreditava que fosse uma falha na formação do Ensino Fundamental, que não privilegia textos de criação literária [...]. Eu fiquei com a fala daquele aluno na cabeça, intrigada com a reação da turma inteira e supus que talvez um autor canônico do calibre de Shakespeare os houvesse intimidado. Talvez não tivéssemos deixado suficientemente claro que a proposta era justamente a contrária, que eles deveriam tomar posse daquele patrimônio cultural e o usarem como bem entendessem, sem medo. Para serem bons leitores, eles tinham que dialogar com as obras, não se submeterem passivamente a elas nem acreditarem que os autores de livros tinham sempre a razão.” (Relato da bolsista Suelen)
"“Por mais que nem todos ali [os alunos da escola] tivessem se tornado excelentes leitores, senti que a literatura não provocava mais tanta aversão no grupo e que havíamos fertilizado aquele terreno, que estava pronto para acolher ações futuras com leitura na escola, dependia apenas de ter bons mediadores. Para encerrar nosso trabalho na turma, distribuímos marca-páginas feitos por nós com frases de obras que havíamos lido com eles (“Não sei, só sei que foi assim” e “Ser ou não ser, eis a questão”) e disponibilizamos nossos e-mails para o caso de eles quererem conversar sobre literatura e outras questões correlatas.” (conclui a bolsista Suelen) Os marca-páginas a que ela se refere podem ser vistos (e copiados) aqui: