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Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
Sequência Didática: Crônicas
Col. Estadual Santa Gemma Galgani
Curitiba - PR
2012
Programa Instituicional de Bolsa e Iniciação à Docência
Tema: Crônicas
Tempo: Duas horas-aula (por turma)
Objetivos: Apresentação e delimitação do gênero; reconhecimento das possibilidades de reflexão e das estruturas comuns ou significativas do texto e do discurso, além de estabelecer contato com alguns autores e sua significância no cenário literário nacional.
Metodologia:
a) Teórica:
O grande problema em delimitar qualquer
gênero literário por estilo e tema está no discernimento do que ele
agrega e o que lhe é “exclusivo” como estrutura e enunciado – e a
crônica, literalmente, está “em cima do muro” nesse quesito, coligindo
ao mesmo tempo aspectos literários e jornalísticos. A ideia era
demonstrar para os alunos que, apesar disso, a crônica não se torna
algo indefinível, e também que essa dinâmica não pode ser reduzida a um
escopo só – antes, ela é vista em todos os gêneros. Usamos, para isso,
de uma pequena recursão histórica, que baseou nossas explicações e
situou a crônica no tempo literário, além de identificar a crônica como
possibilidade de reflexão (janela literária) dentro do jornal - a
partir da popularização do jornalismo, do nascimento do conceito de
imparcialidade e da periodização da literatura (romances de folhetim,
novelas curtas, etc) – forjando, assim, um gênero cuja característica
mais soante é a linguagem em tom leve e despreocupado, possibilitando
uma compreensão mais dinâmica e uma flexibilização maior de linguagem e
de contextos possíveis de interpretação.
b) Prática
A aula foi centrada basicamente na discussão de alguns pontos da teoria com os alunos utilizando-nos de três crônicas – para as quais montamos uma estrutura de leitura em voz alta na qual todos participassem, uma constante nas aulas seguintes:
a) Pá, pá, pá, de Luís Fernando Veríssimo - principalmente por causa da estrutura, da noção de verossimilhança, do estilo e do tratamento específico que o seu enredo dá à língua;
b) Dias de Tensão, de Cristóvão Tezza - como um exemplo de uma crônica de cunho reflexivo – do ato de comprar roupas, que o autor confessa odiar, sai uma reflexão sobre a cultura consumista e do espetáculo – além de ser baseada em uma ótica particularmente “curitibana” do mundo, característica dos seus textos - sendo também, em outro nível, “característico” de uma crônica, na medida em que a reinterpretação dos fatos é, em grande medida, pessoal;
c) E Binóculo, do Mário Prata - a narrativa fica muito mais parecida com um conto, embora seja sedimentada num fato “realista” (e verossímil) – além de uma atenção sobre a sua linguagem e sua reflexão, que não é especialmente dissertada ou argumentada, mas inserida no contexto da história e cuja captação se dá pela reflexão sobre o próprio texto.
Materiais: Cópias dos textos usados, distribuídas por aluno.
Anexos:
a)Pá, Pá, Pá – Luís Fernando Veríssimo
A americana estava há pouco tempo no Brasil. Queria aprender o português depressa, por isto prestava muita atenção em tudo que os outros diziam. Era daquelas americanas que prestam muita atenção.
Achava curioso, por exemplo, o “pois é”. Volta e meia, quando falava com brasileiros, ouvia o “pois é”. Era uma maneira tipicamente brasileira de não ficar quieto e ao mesmo tempo não dizer nada. Quando não sabia o que dizer, ou sabia mas tinha preguiça, o brasileiro dizia o “pois é”.
Também tinha dificuldade com o “pois sim” e o “pois não”. Uma vez quis saber se podia me perguntar uma coisa.
- Pois não – disse eu, polidamente.
- É exatamente isso! O que quer dizer “pois não”?
- Bom. Você me perguntou se podia me fazer uma pergunta. Eu disse “pois
não”. Quer dizer “pode, esteja à vontade, estou ouvindo, estou às
ordens...”
- Em outras palavras, quer dizer “sim”.
- É.
- Então por que não se diz “pois sim”?
- Porque “pois sim” quer dizer “não”.
- O quê?!
- Se você disser alguma coisa que não é verdade, com a qual eu não
concordo, ou acho difícil de acreditar, eu digo “pois sim”.
- Que significa “pois não”?
- Sim. Isto é, não. Porque “pois não” significa “sim”.
- Por quê?
- Porque o “pois”, no caso, dá o sentido contrário, entende? Quando se
diz “pois não”, está-se dizendo que seria impossível, no caso, dizer
“não”. Seria inconcebível dizer “não”. Eu dizer não? Aqui, ó.
- Onde?
- Nada. Esquece. Já “pois sim” quer dizer “ora, sim!”, “Ora se eu vou
aceitar isso”, “Ora, não me faça rir. Rá, rá, rá.”
- “Pois” quer dizer “ora”?
- Ahn...Mais ou menos.
- Que língua!
Eu quase disse: “E vocês, que escrevem ‘tough’ e dizem ‘tâf’?”, mas me contive. Afinal, as intenções dela eram boas. Queria aprender. Ela insistiu:
- Seria mais fácil não dizer o “pois”.
Eu já estava com preguiça.
- Pois é.
- Não me diz “pois é”!
Mas o que ela não entendia mesmo era o “pá, pá, pá”.
- Qual o significado exato de “pá, pá,
pá”?
- Como é?
- “Pá, pá, pá”.
- “Pá”é pá. “Shovel”. Aquele negócio que a gente pega assim e...
- “Pá” eu sei o que é. Mas “pá” três vezes?
- Onde foi que você ouviu isso?
- É a coisa que eu mais ouço. Quando brasileiro começa a contar
história, sempre entra o “pá, pá, pá”.
Como que para ilustrar nossa conversa,
chegou-se a nós, providencialmente, outro brasileiro. E um brasileiro
com história:
- Eu estava ali agora mesmo, tomando um cafezinho, quando chega o
Túlio. Conversa vai, conversa vem e tal e pá, pá, pá...
Eu e a americana nos entreolhamos.
- Funciona como reticências – sugeri eu. – Significa, na verdade, três
pontinhos. “Ponto, ponto, ponto”.
- Mas por que “pá” e não “pó”? Ou “pi” ou “pu”? Ou “etcétera”?
Me controlei para não dizer – “E o problema dos negros nos Estados
Unidos?”.
Ela continuou.
- E por que tem que ser três vezes?
- Por causa do ritmo. “Pá, pá, pá”. Só “pá, pá” não dá.
- E por que “pá”?
- Porque sei lá – disse, didaticamente.
O outro continuava sua história. História de brasileiro não se
interrompe facilmente.
- E aí o Túlio com uma lengalenga que vou te contar. Porque pá, pá,
pá...
- É uma expressão utilitária – intervi. – Substitui várias palavras (no
caso toda a estranha história do Túlio, que levaria muito tempo para
contar) por apenas três. É um símbolo de garrulice vazia, que não
merece ser reproduzida. São palavras que...
- Mas não são palavras. São só barulhos. “Pá, pá, pá”.
- Pois é – disse eu.
Ela foi embora, com a cabeça alta. Obviamente desistira dos
brasileiros. Eu fui para o outro lado. Deixamos o amigo do Túlio
papapapeando sozinho.
(In VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se Ler na escola. Editora Objetiva, 2001)
b) Dias de Tensão - Cristovão Tezza
A cada dois ou três anos costumo viver um momento de terror que começa com a antecipação da ideia; em seguida vem um planejamento difuso (“É melhor eu resolver isso de uma vez”) e, enfim, surge o instante em que decido sair de casa para cumprir meu destino, um choque de emoções desagradáveis que me deixará infeliz por umas 72 horas, entremeadas de altos e baixos, até as coisas, enfim, se acalmarem. E, no entanto, parece uma obrigação tão simples, uma atividade que milhões de pessoas fazem com grande alegria e felicidade: comprar a própria roupa. Para mim, é uma tarefa medonha. Nem mesmo ter de ir ao médico me deixa tão irritado. É um avesso da vaidade que acaba por ser uma suprema vaidade. Afinal, o que vemos nas outras pessoas? 95% é roupa. Ponham-se mais uns óculos, quem sabe brincos, às vezes um boné ou um cabelão na testa, uma tatuagem, duas mãos no bolso, e não sobra praticamente nada do ser original. Bem, no meu caso, a essa altura, é até melhor assim.
O ideal da roupa é que ela me esconda, o que não é tão simples (esta é a razão secreta por que detesto praias). E roupa boa é roupa velha, o que tento explicar aqui em casa, inutilmente, mostrando que a barra rota do jeans é estilo e que o colarinho da camisa não está tão puído assim. Já o casaco desbotado me conhece em cada dobra – nunca mais na vida vou encontrar outro igual! Veja esse pulôver: já está ralinho no cotovelo, mas não fazem mais pulôveres resistentes assim. Dura mais uma estação!
Já comprei até geladeira pela internet, mas roupa é impossível. A roupa é intrinsecamente analógica. O prêt-a-porter não existe. Roupa é um elemento arcaico da vida – roupa lembra caverna, mais tarde folha de parreira e séculos de culpa, aqueles repolhos estufados de infelicidade, até a falsa liberdade do século 21, retomando sempre a velha questão: como disfarçar? Hoje, tudo é pior, é o que repito como um mantra a cada biênio, diante da loja ameaçadora para onde avanço inseguro. O vendedor simpático se aproxima com um sorriso desarmante: “Posso ajudá-lo?” Não, não pode, ninguém pode me ajudar, estou sozinho – mas agora não tenho mais volta. Retribuo o sorriso e entro na caverna. Sou irremediavelmente enredado em calças, camisas, coletes, casacos, todas peças que teimam em nunca dar exatamente certo, há sempre um ponto fora da curva, uma costura que não respeita meu jeito, a manga ou muito longa ou muito curta, as cores de penas de arara, como vou me ocultar assim? – e em tudo ronda a sombra de uma barriga de cartum, neste mundo da moda criminosamente magra.
Enfim, faço minhas escolhas e saio dali um pouco mais pobre e com sacolas cheias, refeito o estoque. Já sei que vão se seguir dias de tensão, até que, pouco a pouco, as roupas novas se acostumem comigo e eu com elas, numa convivência que começa difícil e acaba em paz por dois ou três anos felizes.
Publicação extraída de sua coluna semanal no jornal Gazeta do Povo, disponível no link:http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=1295995&tit=Dias-de-tensao
c) Binóculo – Mário Prata
Ganhei muitas flores no aniversário. E um binóculo, da Ângela, que vive de pesquisas históricas. Só mesmo uma historiadora para ter uma ideia dessas. Os historiadores gostam de ver tudo de perto. Principalmente fatos distantes.
As flores murcharam, à média distância. E o binóculo ali, na mesinha a me observar. Bonito, prateado. Deve ter custado caro. Claro que quem dá um binóculo para uma pessoa como eu, solteiro e rodeado de prédios e janelas tentadoras e indiscretas, tá mais afim é de me ver procurando mulher pelada. Todo mundo sabe que a única finalidade do binóculo é o peito nu da vizinha. Foi inventado em 1645 com essa primordial finalidade. O meu filho viu a peça, pegou. Todo mundo que vê um binóculo, pega. E procura a janela. Depois me informou que luneta é melhor. Melhor, pra quê? Li o manual de instruções, em alemão. Entendi tudo, porque tinha desenhinho.
Ainda bem que era alemão, porque é impossível entender qualquer manual de instruções em português. Não é? Experimente, um dia, trocar o pneu do seu carro, lendo o manual de instruções. Experimente. Melhor não experimentar. Dá pra ver o guarda-joias da vizinha da direita.
Há uma semana, comecei a usar o binóculo. Minha vida nunca mais seria a mesma. Vicia. Esse troço devia ser proibido. Hitchcock, o mago do suspense, sabia disso. O que seria daquela janela sem o binóculo?
A empregada do oitavo andar (prédio da frente), por exemplo, não era bem o avião que eu sempre imaginei. Além da falta de um canino, tem um joanete descomunal, posto em observação quando ela se senta na mureta para limpar os vidros. Os peitinhos, razoáveis. Não raspa a perna.
Já aqui no prédio da esquerda, no quinto andar, o casal vai mal. Infelizmente o meu binóculo não é sonoro, mas pela movimentação elisiana dos braços e mãos da mulher, a coisa vai de mal a pior. O marido não fala nada. Ouve. Há cinco dias que ele ouve. Enquanto isso, no quarto de empregada, a residente lê Caras, com caras e bocas.
No andar de cima, aquele aposentado (sim, não sai de casa nunca) faz palavras cruzadas (nível fácil) o dia inteiro. Na piscina, a mais gostosa é mesmo a loiraça do décimo primeiro que só faz malhar. Casada – vejo daqui a aliança –, está sempre com o desempregado do quinto, também de aliança.
Venho torcendo para rolar alguma coisa – afinal, a cama dela possibilita boas imagens aqui do meu potente Tasco (é a marca dele). Acho que vai rolar. Mulher, quando ri muito das besteiras dos homens, está a um passo de perguntar o horóscopo, o que, como você sabe, é propor eminente e iminente sacanagem.
Mas como!? Aquela que briga com o marido está, neste momento, fazendo uma mala. Dela? Dele? Ele não está em casa. Ela joga tudo dentro. Agora dá pra ver. São roupas de homem. Meu Deus, quando ele chegar (sempre por volta das oito) a coisa vai ficar boa. É só apagar todas as luzes do meu apartamento, virar a poltrona e esticar o pescoço e as lentes. E um pouco de imaginação.
O casal gay da direita, terceiro andar, é felicíssimo. Jantam, veladamente, à luz de velas. Um exemplo para o casal que mora no andar de cima: jovem, constituído de homem e mulher. Ela tem sistema nervoso, como diria a minha empregada. Não sei se ainda há algum prato na casa dela. Outro dia um voou até pela janela, indo atingir a perna do filho do zelador, lá embaixo. Veio polícia e tudo, mas não descobriram de onde partiu o prato. Eu fiquei na minha.
Tudo ia bem na minha vida até que descobri que o adolescente do décimo primeiro, da direita, tem uma fantástica luneta, direcionada diretamente para a minha janela. Isso foi o bastante para que eu fizesse um levantamento de todas as minhas realizações aqui na sala, de um mês para cá, e ficasse meio envergonhado. E o bastante também para que fechasse todas as janelas.
E agora a situação está assim. Basta eu abrir um pouco a janela e olhar, que ele está lá, a postos, seguindo a minha vida.
Eu aqui escrevendo e o garoto lá, me olhando. Vai virar cronista, quando crescer.
(Publicado originalmente no livro Minhas Tudo, de 1994)
(PRATA, Mário. Binóculo. In: WERNECK, Humberto. Boa companhia: crônicas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005)
Programa Instituicional de Bolsa e Iniciação à Docência
Tema: Crônicas
Objetivos: Finalizar a discussão sobre o gênero, reconhecer os níveis de interpretação, as construções de sentido e de ligações contextuais que o texto se propõe a fazer, além de medir o retorno dos alunos em questões de interpretação e reflexão.
Metodologia: Lemos em sala de aula a crônica Carnaval em Curitiba, de Cristóvão Tezza, que discorre sobre o significado (se tem algum) do carnaval numa terra que historicamente - e ele dá as razões para isso - não tem muito a ver com a festa que ganhou um caráter praticamente nacional - e nacionalizante. Curitiba recebe, nessa época, o aspecto calmo e etéreo do paraíso terrestre suíço – que é também a coisa mais antinatural que existe, principalmente em se tratando dessa festança. Porque será que o carnaval não “cabe” aqui? O que a gente tem de diferente? Será o clima? Nossos sobrenomes? A falta tradicional de senso de humor?
Tezza, discorrendo sobre a impermeabilidade do carnaval por essas bandas frias, acaba reconhecendo no curitibano não a frieza distante e convencida de um bando de europeus no país tropical-abençoado-por-deus-e-bonito-por-natureza, mas sim o sossego da personalidade caseira, anti-barulho e segura de si curitibana, como um todo, mais dada a uma ideia de diversão tranquilizadora, próxima da reflexão apolínea do que de qualquer outra coisa que simplesmente entorpece tudo o que consegue alcançar – o que está tão longe do significado do carnaval quanto uma suposta cidade “imune” à festividade.
Discutimos resumidamente sobre os significados do texto para priorizar um pouco a interpretação dos próprios alunos - fazendo perguntas de teor pessoal, como “Você acha que o autor está certo ao afirmar isso?” ou “Você reconhece isso como característica geral dos curitibanos?”
Depois, foi proposta a resolução de uma folha de exercícios com questões interpretativas (quase no mesmo teor que as participações orais, embora demandassem uma base maior, encontrável no texto) e reflexivas que envolvessem não só a interpretação do texto, mas também uma consideração do próprio aluno, o que trabalharia a sua possibilidade de se mover em diferentes contextos.
Materiais: Crônica de Cristóvão Tezza: Carnaval em Curitiba (uma cópia por aluno) e uma relação de exercícios interpretativos, em número de 6 (idem)
Anexos:
a)Carnaval em Curitiba - Cristóvão Tezza
Lembro
Jamil Snege, atrás da mesa, cigarro entre os dedos:
"Carnaval em Curitiba? Não dá. O sujeito pula na rua, alegrinho, vem o
guarda e prende!" Vendo de um certo jeito, é uma espécie de maldição
esse
carnaval — ou não-carnaval — na cidade. Temos até de nos explicar por
escrito,
como agora. Parece que carregamos a culpa pela falta de espírito
carnavalesco,
a vergonha do falso rebolado, essa triste ausência de brasilidade, quem
sabe
até falta de patriotismo! Quando o Brasil inteiro dança, nós aqui,
naquele
silêncio de missa, andando pelas ruas vazias, metendo o olho crítico no
primeiro engraçadinho que sai por aí fazendo escândalo. Coisa de
bêbados!
Nem as crianças se entusiasmam: uma terça-feira gorda no Parque Barigüi, que descanso! Parece que estamos passeando em Genebra num começo de primavera! Nenhuma máscara de pirata ou palhaço, nada de serpentina, nem um único confete no chão, naquelas trilhas onde o pessoal sério faz a firme corrida vespertina, bufando, como se não estivesse acontecendo nada no resto do Brasil. É uma coisa tão desenxabida, que quem defende o carnaval da cidade tem de fazê-lo aos gritos, em altos brados, tem de exigir atitude das autoridades, reclamar por leis mais severas, mandar requerimento aos vereadores! Ora, alguma coisa tem de ser feita contra esse crime, parecem dizer, contra essa terrível indiferença!
Carnaval que precisa de lei ou regulamentação, que precisa de muito apoio, defesas apaixonadas para uma platéia apática ou apenas discretamente divertida, tem alguma coisa errada — ou não tem nada errado; apenas não existe. Parece que há uma incompatibilidade radical entre o espaço curitibano e a idéia de carnaval. Digo "espaço" porque, no período, uma horda imensa de curitibanos foge daqui, desabala-se sôfrega em filas intermináveis para descer ao litoral onde, apertada na multidão que enche calçadas, praias, restaurantes, bares, supermercados e apartamentos, passa quatro dias, às vezes sem água na torneira, reclamando da chuva. Ou os habitantes escapam para Floripa, para o Rio, escondem-se em Antonina, em qualquer lugar onde possam se divertir. Aqui, alguma coisa decididamente não combina.
E não é de hoje. A edição de O Paranaense, de 15 de fevereiro de 1880, ilustra-nos Wilson Martins, descrevia os "folguedos carnavalescos" como um desfile de "raras e desengraçadas figuras". Observe-se a finura crítica da expressão, nossa marca registrada: "desengraçadas figuras" — onde naufraga o carnaval, brilha a linguagem.
Há algumas surpresas. Anos atrás, fui pela primeira vez ao antigo Bar do Ermes em pleno carnaval: fregueses bebiam cerveja tranqüilos nas mesas espalhadas, como numa noite de outubro. Mas percebi um som ao fundo, algo que vinha dos subterrâneos, vibrava o chão, uma espécie de bate-estacas que se aproxima. Descobri a escada para o porão e naquele pequeno espaço sem ar, enfumaçado, como na Chicago da Lei Seca, vislumbrei uma multidão clandestina que pulava carnaval, acotovelando-se no escuro com serpentina e tudo, num calor infernal e transpirando alegria. O contraste entre aquele caldeirão nas trevas e a paz iluminada lá da terra me sugeriu uma manchete possível para a Tribuna do Paraná: "Polícia estoura ponto de carnaval em Curitiba!"
Tudo bem: não temos carnaval. Mas vejamos de outro modo: em vez de defeito, não seria esse um capital respeitável a ser mais bem-aproveitado? Uma importante cidade brasileira substancialmente avessa ao carnaval! São quatro ou cinco dias de silêncio, de grandes espaços vazios para caminhar — e toda a infra-estrutura de lazer sub-aproveitada, teatros fechados, cinemas às moscas. Calculem-se os milhares — talvez milhões — de brasileiros que, como eu, acham carnaval uma coisa aborrecida e que muitas vezes se submetem por absoluta falta do que fazer àqueles desfiles intermináveis e chatíssimos da rede Globo, oitocentas horas seguidas da mesma coisa, torturados por sambas-enredos idiotas e clonados ao infinito na alegria militarizada da avenida.
Pois esse povo sofrido e sem opção encontraria em Curitiba o seu paraíso! Quanta coisa poderia ser programada nesse período! Desde a versão hard — digamos, um Festival Internacional de Música Sacra ou um Concurso Nacional de Canto Gregoriano —, até opções mais suaves, como, quem sabe, Encontros de Jazz Instrumental, algo assim, ou uma boa Mostra do Cinema Escandinavo, etc. São muitas opções. O único cuidado deverá ser vetar expressamente manifestações de MPB, porque atrás delas sempre há o risco de um trio-elétrico aparecer e aí, bem, aí sai todo mundo correndo, acabou o carnaval curitibano e voltamos à estaca zero.
(Originalmente publicada no Caderno de Ideias, nº8. Curitiba, 2004)
b) Exercícios:
Com base na leitura da crônica Carnaval em Curitiba, de Cristovão Tezza, responda as seguintes questões:
1 – A crônica caracteriza-se por uma análise subjetiva e literária de um acontecimento, assunto do momento ou aspecto da sociedade. No texto, qual é o acontecimento analisado?
2 – Transcreva as passagens em que o autor deixa claro que está partindo de uma observação pessoal.
3 – Ao observar o Carnaval Curitibano, Tezza reflete acerca de uma característica bastante reconhecível do povo da cidade. Qual? Isso realmente se verifica, na sua opinião?
4 – Porque, na opinião de Tezza, o carnaval aqui “não funciona”? O que ele sugere como alternativa?
5 - Qual seriam as alternativas que você sugeriria para “esse povo sofrido e sem opção”que em Curitiba, supostamente, encontraria um paraíso.
6 - Como é o carnaval de Curitiba para você? Relate alguma experiência vivida, na cidade ou fora dela, neste período afamado por todo o território brasileiro.
Programa Instituicional de Bolsa e Iniciação à Docência
Tema: Encerramento
Objetivos: Encerrar a participação do programa na escola naquele ano; considerar a recepção dos alunos (suas impressões do projeto como um todo) naquele período e recolher possibilidades e sugestões de melhoria.
Em síntese, foi uma conversa, tão franca quanto possível, sobre as primeiras impressões que o projeto havia deixado – como os alunos recepcionaram a ideia, se se deram bem com a abordagem e com a estrutura diferente de uma aula normal, se conseguimos complementar a matéria ou dirimir alguma dúvida e, finalmente, se os alunos notaram alguns problemas – tanto na abordagem, na matéria, na organização - e o que poderíamos fazer para contorná-los.
Também abrimos a possibilidade de os alunos deixarem opiniões, ideias, possibilidades e sugestões para atividades do grupo ou em parceria com a escola – como aulas diferenciadas (com conteúdos que chamassem a atenção, integrando outras mídias, etc.), passeios temáticos e sugestões para a feira cultural anual.