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Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência

Sequência Didática: Usos da Língua - Diferentes Gêneros
Col. Estadual Ermelino de Leão
Curitiba - PR
2012


Programa Instituicional de Bolsa e Iniciação à Docência


Tema: Diferentes gêneros e particularizações: Tira e crônica

Tempo: Quatro horas-aula

Objetivos: Demonstrar particularidades de uso e maleabilidade da língua em diferentes gêneros de comunicação(além de apresentá-los) - que seria um indicativo de sua variabilidade e abrangência, além de aproximar a discussão ao domínio do preconceito social baseado na estigmatização de variantes.

Metodologia: Pela possibilidade do uso de duas aulas, a aula foi estruturada primariamente na apresentação e discussão de textos teóricos, seguidos de exemplificações e exercícios. Depois da delimitação dos gêneros para a turma (numa perspectiva histórica, mas focada principalmente em suas realizações linguísticas)a aula foi direcionada ao reconhecimento da mudança temporal e da "maleabilidade" da língua, ou a constante (re)construção de fatores que possibilita a troca de contextos e o entendimento em diferentes esferas - o que influi decisivamente na compreensão da mensagem, e da confrontação dessas variantes com a norma padronizada.

Para isso, usamos de tiras de jornal (cujo registro possibilita reconstruções de sentido numa gama maior, por acompanhar outro canal de comunicação), com "conteúdo orientado" ao assunto de que tratávamos (em anexo - Níquel Náusea, de Fernando Gonsales, e Calvin, de Bill Watterson) e da crônica Antigamente, de Carlos Drummond de Andrade, que usa de um linguajar já caído em desuso, não só para exemplificar mudanças linguísticas - e por extensão, sociais - mas apontar para uma revisão e reflexão dessas mesmas relações.

Como orientamos a escolha dos materiais pela temática (fazendo quase uma metaexemplificação do que queríamos), escolhemos essa atividade também para engatilhar uma demonstração sobre o quanto essa diferença variacional pode influir socialmente, iniciando, assim, a etapa da sequência direcionada à discussão do preconceito linguístico, aproveitando principalmente as tiras de jornal.

Os exercícios, em forma de questionário, foram feitos tanto para estimular o debate em sala e a construção de conceitos pelos próprios alunos.

Anexos: Exercícios e textos


Texto 1: Atividades - gênero Tira de Jornal


Níquel Náusea, de Fernando Gonsales.


NqNs

Obs: A partir das questões apresentadas na gramática usada, foram elaboradas outras questões e atividades:

1) O que produz o efeito de humor na tirinha?

2) A personagem feminina refere-se ao papagaio dizendo que ele “fala tudo errado”. Sobre que tipo de pessoas se ouve esse mesmo comentário e em que situações? Dê exemplos.

3) Marcos Bagno, um linguista estudioso dos diferentes registros linguísticos, comenta acerca de alguns exemplos de ocorrências linguísticas consideradas erradas pela maioria das pessoas e mostra como tais ocorrências se configuram em formas que já pertenceram ao idioma, no decurso do tempo.
Observe:


“Na visão preconceituosa dos fenômenos da língua, a transformação de I em R nos encontros consonantais como em 'Cráudia', 'chicrete', 'praca', 'broco', 'pranta' é tremendamente e às vezes é considerada até como um sinal do 'atraso mental' das pessoas que falam assim. Ora, estudando cientificamente a questão, é fácil descobrir que não estamos diante de um traço de 'atraso mental' dos falantes 'ignorantes' do português, mas simplesmente de um fenômeno fonético que para a formação da própria língua portuguesa padrão.
Basta olharmos para o seguinte quadro:


PORTUGUÊS PADRÃOETIMOLOGIAORIGEM
Branco>blankgermânico
Brando>blanduLatim
Cravo>blavuLatim
(...)


"É fácil notar, todas as palavras do português-padrão listadas acima tinham, na sua origem, um I bem nítido que se transformou em R. E agora? Se fôssemos pensar que as pessoas que dizem 'Cráudia', 'chicrete', 'pranta' têm algum 'defeito' ou 'atraso mental', seríamos forçados a admitir que toda a população da província romana da Lusitânia também tinha esse mesmo problema na época em que a língua portuguesa estava se formando. E que o grande Luís de Camões também sofria desse mesmo mal, já que ele escreveu 'ingrês', 'pubricar', 'pranta', 'frauta', 'frecha', na obra que é considerada até hoje o maior monumento literário do português clássico, o poema 'Os Lusíadas.' E isso, é 'craro', seria no mínimo absurdo.”


(in BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é e como se faz. 49. ed. São Paulo, Loyola, 2000,p. 48, 49).


4) Quantas e quais formas diferentes você já ouviu na pronúncia da palavra “problema”?

5) Mapeie as ocorrências linguísticas presentes na tira e associe-as a outras semelhantes

6) O que a observação da mulher, na tira, revela a respeito da maneira como as pessoas costumam avaliar diferentes maneiras de falar?


Tira Calvin, de Bill Watterson

CvHbs

1) A graça da tira está no uso que Calvin e sua mãe fazem da linguagem nos três primeiros quadrinhos. Explique como seria a fala de “gente de verdade”.

2) Compare as tiras de Calvin e de Nickel & Nausea e produza um comentário acerca das semelhanças de conteúdo veiculado acerca das representações sobre os diferentes usos da língua.


Texto 2: Atividades - gênero crônica


Antigamente
(Carlos Drummond de Andrade )

ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.


HAVIA OS QUE tomaram chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente.” Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado.” E os eruditos, se alguém espirrava — sinal de defluxo — eram impelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso metiam a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias.


ANTIGAMENTE, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um cabrito, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram grandessíssimos tratantes.


ACONTECIA o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.

MAS TUDO ISSO era antigamente, isto é, outrora.


Carlos Drummond de Andrade
In Quadrante (1962), obra coletiva
Reproduzida em Caminhos de João Brandão
José Olympio, 1970
© Graña Drummond


Atividades baseadas no texto “Antigamente”, de Carlos Drummond de Andrade.


1) Considerando as expressões presentes no texto e os conteúdos por elas veiculados, conclua qual o objetivo do texto.

2) Circule no primeiro parágrafo cinco expressões desconhecidas.

3) Você consegue inferir o significado dessas expressões pelo contexto?

4) Identifique expressões que ainda são hoje utilizadas.

5) “Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles”. Que palavras se utilizam hoje para referir-se às moças?

6) Você conhece alguma variação da expressão “ensinar padre-nosso ao vigário”?

7) Observe: “Os cristãos não morriam: descansavam”. Esta é uma figura de linguagem chamada eufemismo. Que outras expressões se utilizam para se referir à morte?

8) O segundo parágrafo refere-se a expressões religiosas. Pesquise com pessoas mais velhas outras dessas expressões que eram correntes e seus significados.

9) Leia o texto para os seus avós. Liste as expressões que eles conhecem e seus respectivos significados.

10) Produção de texto:


a) A partir da crônica “Antigamente”, produza um texto argumentativo a respeito das mudanças da linguagem e do comportamento, ressaltando as diferenças.

b) Reescreva o primeiro parágrafo do texto, atualizando-o para a modernidade.

c) Continue o excerto que segue:

Eduardo I é um príncipe do século XV que, de repente, desembarca no ano 2012. Ao olhar ao seu redor repara que tudo está diferente. É surpreendido pela chegada de um alguém de calças compridas, cabelo curto com uma flor, que se dirige a ele dizendo:

- Oh meu, que ropinha manera! Onde tá rolando a balada? É uma festa a fantasia? Tô loca pra ir...